Espaço de discussão e reflexão sobre a MEMÓRIA/TEMPO na construção do espetáculo de dança contemporânea "INPUT" da desCompanhia de dança. O projeto foi contemplado pelo Edital de Dança de Produção da Fundação Cultural de Curitiba e será estreado no dia 05 de Junho de 2014 no Teatro Kraide do Portão Cultural em Curitiba. Para maiores informações sobre a cia favor acessar o nosso blog www.descompanhia.blogspot.com

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Impressões compartilhadas

Temporada de apresentação do INPUT em Curitiba intensa e especial! Segue algumas das impressões que recebemos sobre o trabalho. Muito obrigado pela presença, atenção e carinho.  Equipe desCompanhia.

  • MIRIANE FIGUEIRA: o espetáculo me fez pensar coisas que tinha deixado de pensar. foi lindo.
  • LUCAS TADEU: “… fui envolvido pela magia do espetáculo. A nudez que evoluía durante a dança vulnerabilizava os artistas e assim, uma vez que eles confiavam no público para tal, também eu me vulnerabilizei, e confiei nos integrantes e na dinâmica. A desconstrução da rotina, a dinâmica da memória e a efemeridade da vida nos torna vazios de certa forma, em contrapartida cheios de sentimentos. OBRIGADO por me lembrarem do essencial.
    Extraordinária atuação da equipe e escolha das músicas, meus parabéns!!!”
  • GABRIEL CONTE: Bom ver vcs de novo. Vcs arrasam, sempre. Consegui levar varios amigos, alguns foram ver mais de uma vez. Eles adoraram...
  • FLÁVIO MAGALHÃES: Obrigado pelo trabalho. Pude prestigiar Input ontem. Realmente é uma proposta de trabalho que pode gerar uma série de reflexões, e gerou, no meu caso
    Um abraço.
  • PRISCILA DINIZ: Achei incrivelmente profundo o que fizeram... ficamos horas conversando sobre o que se manifestou em cada um de nos que fomos ver... saiu mt interpretação interessante.
  • SILVIA DUARTE: Parabéns pela apresentação de ontem! Fiquei curiosa para assistir e valeu a pena! ótima performance a todos!
  • KUSUM TOLEDO: Até agora com vontade de chorar habitada por um silêncio novo. Forte. INPUT, uma experiência intensa. Gradecida desCompanhia.
  • RENATA ROEL:
    Memória que evidencia hábitos e modos de se resolver intuitivamente, ou instintivamente. Fiquei com uma sensação de ambiguidade.
    Ao assistir o trabalho, fiquei pensando e olhando para as diferenças nos modos de resolução e do quanto o Jogo revela essas singularidades e ao mesmo tempo os hábitos que também passam a ser característico da Cia. (afinal, tem-se também uma memória de convivência, uma memória de modos de se posicionar no ensaio, na vida que vai pra cena junto e é revelador neste trabalho).
    Pra mim (bem pessoal) existe um lugar do "erro" ou do "não conseguir" realmente que faz a dança acontecer com o público, eu particularmente fico muito junto e curiosa quando sinto que o não saber é real ali em cena, e isso revela muito sobre nosso treinamento de dança... o quanto é difícil a gente errar, a gente entrar em cena no risco sinceramente, pq a gente também com essa possibilidade do treino vai deixando o risco amenizado,  porque o corpo cria hábitos, e intuitivamente a gente é treinado para não errar nunca, e muito menos em cena...
    A possibilidade de levar um jogo pra cena é muito legal enquanto dramaturgia, é ambíguo, ao mesmo tempo em que despessoaliza, pessoaliza. Me mostra ali um rastro (memória) do ensaio, da vida, do como cada um se resolve...é ambíguo porque ao mesmo tempo em que junta os artistas numa condição de estar em cena e junta também os separa nos seus modos distintos de se resolver ou não se resolver....acho que a gente sempre acaba resolvendo no fim das contas, errando ou acertando ou entregando o jogo...
    Essa ambiguidade me deixa interessada e curiosa. Ela aparece desde o início, porque ao mesmo tempo que eu entendia que era um jogo, eu não entendia muito bem a lógica dele, ao mesmo tempo que eu sabia que a música entrava como uma "comemoração" (inventei isso ali) eu não entendia a lógica das roupas...E isso ficou mais evidente no final. Acabou? Acabou!!! Acabou???
    Beijooooooooooooooooooooooo
    Renata Roel

    domingo, 15 de junho de 2014

    I N P U T no Idança!

    desCompanhia de dança

    FONTE: Idança (06/06/2014)

    té o dia 29 de junho, fica em cartaz no Teatro Antonio Carlos Kraide, em Curitiba, o espetáculo INPUT, da desCompanhia de dança. Nova montagem do grupo, o trabalho evoca a memória como metáfora, pretexto e ponto de partida para a criação.

    Em cena, quatro bailarinos praticam o jogo da memória: enquanto jogam, criam uma coreografia que deve ser decorada e replicada. As cartas e a coreografia a serem memorizadas impulsionam a construção de uma dramaturgia dançada, que se compõe em tempo real, a cada apresentação. Além da elaboração do jogo (em pedaços), introduzem, como questão, a criação da memória de cada um (artista e receptor).

    Durante o trabalho, a atualização constante da memória revela novas camadas sensoriais que se ressignificam a cada espetáculo: no percurso da ação, realidade e ficção, universalidade e particularidade se misturam sutilmente no palco; são reelaborados e colocados no mundo novamente.

    No espetáculo, o impalpável e o que se revela: o que é aerado, o que escapa a memória atualizada, a cada dia, a cada minuto.

    Sobre a desCompanhia

    Há 13 anos a desCompanhia de dança vem consolidando sua trajetória no cenário artístico contemporâneo, investindo no trabalho diário de investigação do corpo, na pesquisa continuada, na busca por uma estética particular e no processo colaborativo como método de criação. Utilizando a ideia do corpo único como matéria prima, a pesquisa é pautada na busca do movimento autoral, trazendo para a cena uma fisicalidade poética.

    Foto: © L.P.Daniel

    Serviço:

    INPUT, com a desCompanhia de dança

    Data: De 5 a 29 de junho
    Horário: De quinta a sábado, às 20h e domingo, às 18h
    Local: Teatro Antônio Carlos Kraide – Avenida República Argentina, 3430 – Água Verde, Curitiba/PR
    Entrada franca
    Mais informações: 41 3229-4458 / 3233-8034 / 9601-8553 / descompanhia@gmail.com

    Direção: Cintia Napoli Dramaturgia e Concepção: Tuca Pinheiro Criação e Performance: Juliana Adur /Mariana Mello / Peter Abudi / Yiuki Doi

    Le corps, lieu d´utopies - Michel Foucault

    des, a Mari Paula (BTG) me deu esse presente e passo para vcs. Para reavivar a memória daquilo que já sabemos, mas que somos tentados a esquecer.
    Conferência de Michel Foucault, chamada Le corps, lieu d´utopies (de 1966).
    Cintia Napoli

    Conferência de Michel Foucault: Le corps, lieu d´utopies (1966)

    Basta eu acordar, diz Foucault, que não posso escapar deste lugar, o meu corpo. Posso me mexer, andar por aí, mas não posso me deslocar sem ele. Posso ir até o fim do mundo, posso me encolher debaixo das cobertas, mas o corpo sempre estará onde eu estou. Ele está aqui, irreparavelmente: não está nunca em outro lugar. Meu corpo é o contrário de uma utopia. Todos os dias, continua Foucault, eu me vejo no espelho: rosto magro, costas curvadas, olhos míopes, nenhum cabelo mais... Verdadeiramente, nada bonito. Meu corpo é uma jaula desagradável. É através de suas grades que eu vou falar, olhar, ser visto. É o lugar a que estou condenado sem recurso.

    É possível que contra esse corpo tenham nascido todas as utopias, dele nasce a utopia original - a de um corpo incorporal: o país das fadas, dos elfos, dos gênios, onde as feridas se curam imediatamente, onde caímos de uma montanha sem nos machucar, onde podemos ficar invisíveis.

    Há outra utopia dedicada a desfazer o corpo é o país dos mortos. A múmia é o corpo utópico que desafia o tempo. Há as pinturas e esculturas dos túmulos, que prolongam uma juventude que nunca vai passar, que será eterna. Meu corpo se torna sólido como uma coisa, e eterno como um deus.

    A outra, a maior utopia criada contra o corpo é o grande mito da alma, que funciona maravilhosamente dentro do meu corpo, mas escapa dele. É bela, pura, branca, ao contrário do meu corpo. Durará para sempre. É meu corpo luminoso, purificado.

    Assim, pela mágica dessas utopias, meu corpo pesado e feio desaparece magicamente. Recebo-o de volta fulgurante e perpétuo.
    Mas meu corpo, nele mesmo, seus recursos próprios de fantástico. Tem lugares sem-lugar. Tem seus lugares obscuros e praias luminosas. Minha cabeça é uma estranha caverna, com duas aberturas, meus olhos. E, se as coisas entram na minha cabeça, ficam ao mesmo tempo fora delas.

    Corpo incompreensível, penetrável e opaco, aberto e fechado: corpo utópico. Absolutamente visível - porque sei o que é ser visto e ver os outros. Mas esse corpo é também tomado por uma certa invisibilidade: minha nuca, por exemplo. Minhas costas: conheço seus movimentos, sua posição, mas não as vejo. Corpo que é um fantasma, que só posso ver pelo truque, pela miragem de um espelho.

    Esse corpo não é uma coisa: anda, mexe, quer, se deixa atravessar sem resistências por minhas intenções. Só quando estou doente –dor de estômago, febre - ele se torna coisa, opaca, independente de mim.

    Não, o corpo não precisa de fadas e almas para ser utópico, visível e invisível, transparente e concreto. Para que eu seja utopia, preciso apenas ser... um corpo. As utopias não apagam o corpo: nasceram dele, para só depois, talvez, voltarem-se contra ele.
    Uma coisa, entretanto, é certa: o corpo humano é o ator principal de todas as utopias. O sonho de um corpo imenso, o mito dos gigantes, de Prometeu, é uma utopia. O sonho de voar também.
    O corpo é também ator utópico quando se pensa nas máscaras, na tatuagem, na maquiagem. Não se trata, aqui, propriamente, de adquirir um outro corpo, mais bonito ou reconhecível.

    Trata-se de fazer o corpo entrar em comunicação com poderes secretos, forças invisíveis. Uma linguagem enigmática e sagrada se deposita sobre o corpo, chamando sobre ele o poder de um deus, a força surda do sagrado, a vivacidade do desejo. Fazem do corpo o fragmento de um espaço imaginário, que entra em comunicação com o universo dos outros, dos deuses, das pessoas que queremos seduzir.

    O corpo é arrancado de seu espaço próprio e arremessado a um outro espaço. As vestimentas religiosas, por exemplo, fazem o indivíduo entrar no espaço cercado do sagrado, ou na comunhão da sociedade. Tudo o que toca no corpo, uniformes, diademas, faz florescerem as utopias internas do corpo.

    E a carne nela mesma pode ser também utópica. Faz o corpo voltar-se contra si: o outro mundo, o contra-mundo, penetra nesse corpo, que se torna produto de seus fantasmas: o corpo de um dançarino, por exemplo, é um corpo dilatado pelo espaço – espaço que lhe é interior e exterior ao mesmo tempo. O corpo do mártir acolhe a dor e a salvação. O corpo de um drogado, de um possuído, de um estigmatizado, recebe em si o que lhe é exterior.
    Bobagem dizer portanto, como fiz no início, que meu corpo nunca está em outro lugar. Meu corpo está sempre em outro lugar. Está ligado a todos os outros lugares do mundo, e está num outro lugar que é o além do mundo. É em relação ao corpo que existe uma esquerda e uma direita, um atrás e um na frente, um embaixo e um em cima.

    O corpo está no centro do mundo, nódulo utópico a partir do qual penso, sonho, me comunico. O corpo, como a Cidade de Deus, não tem lugar, e é de lá que se irradiam todos os lugares possíveis.
    Apenas o espelho e o cadáver selam e calam essa voragem utópica. Os dois estão num outro lugar impenetrável, mas nesse momento já não sou eu mesmo. Para que eu seja eu mesmo, no meu corpo, sem utopia, é preciso uma situação bem definida. Só o ato amoroso, quando nos entregamos a ele, acalma a utopia do nosso corpo: por isso é tão próximo, no imaginário, ao espelho e à morte. É porque só no amor o meu corpo está AQUI.

    quinta-feira, 29 de maio de 2014

    INPUT é o novo trabalho da desCompanhia de dança!

    DE 05 A 29 DE JUNHO, no TEATRO ANTONIO CARLOS KRAIDE (Portão Cultural) em Curitiba


    Em cena,  quatro bailarinos jogam o jogo da  memória: enquanto jogam, criam uma coreografia que deve ser memorizada e replicada. As cartas e a coreografia a  serem memorizadas impulsionam a construção de uma dramaturgia dançada, que se constrói em tempo real, a cada espetáculo. Como questão, além da construção do jogo (em pedaços), a construção da memória de cada um  (artista e receptor).
    Durante o trabalho, a atualizacão constante  da memória revela novas camadas  sensoriais que se resignificam a cada espetáculo: no percurso da ação, realidade e ficcão, universalidade e particularidade se misturam sutilmente no palco; são reelaborados e colocados no mundo novamente.
    A concepção e dramaturgia do espetáculo ficou a cargo do artista mineiro, Tuca Pinheiro. Segundo a diretora artística do espetáculo, Cintia Napoli, “Tuca veio para sinalizar um modo novo de criar”. Em cena os bailarinos criadores: Juliana Adur, Peter Abudi, Yiuki Doi e Mariana Mello.
    No espetáculo, o impalpável e o que se revela: o que é aerado, o que escapa, a memória atualizada, a cada dia, a cada minuto.
    INPUT é sobre  entradas. E saídas. E sobre lembrar-se: afinal, somos o que somos porque somos memória. 

    INPUT
    desCompanhia de dança
    Direção: CINTIA NAPOLI
    Dramaturgia e Concepção: TUCA PINHEIRO
    Criação e Performance: JULIANA ADUR / MARIANA MELLO / PETER ABUDI / YIUKI DOI

    DE 05 A 29 DE JUNHO DE 2014 – QUINTA A SÁBADO ÀS 20HS
    DOMINGO ÀS 18H
    ENTRADA FRANCA


    TEATRO ANTONIO CARLOS KRAIDE
    Avenida República Argentina, 3430 - Água Verde
    INFO: 41 3229-4458 / 3233-8034 / 9601-8553
    descompanhia@gmail.com

    Input 

    FICHA TÉCNICA:

    • Argumento: desCompanhia de dança
    • Direção: Cintia Napoli
    • Concepção e Dramaturgia: Tuca Pinheiro
    • Assistente de Direção: Juliana Adur
    • Criação e Performance: Juliana Adur, Marina Mello, Peter Abudi e Yiuki Doi
    • Iluminação e operação de luz: Fernando Dourado
    • Trilha sonora: Tuca Pinheiro
    • Operação de som: Cindy Napoli
    • Frigurino: Eduardo Giacomini
    • Paisagem sonora externa: Edith de Camargo
    • Voz em off: Paolla de Andrade Torrilhas
    • Texto criado por: Juliana Adur, Marina Mello, Peter Abudi e Yiuki Doi
    • Assessoria de Imprensa: Fernando Proença
    • Ilustração: L. P. Daniel
    • Comunicação Visual: Maria Baptista
    • Direção de produção: Cindy Napoli

    sexta-feira, 16 de maio de 2014

    Depoimentos sobre Memórias

    Texto colaborativos por Juliana Adur, Peter Abudi, Mariana Mello e Yiuki Doi. Revisão do texto: Edith de Camargo e a Cintia Napoli.
    O texto surgiu de um exercício que a nossa diretora artística Cintia Napoli trouxe para o grupo. Depois de tantos laboratórios e pesquisas individuais e coletivas sobre memória, a proposta era construirmos um texto do grupo que referisse sobre a memória. Então fizemos um jogo de contar história com os quatros bailarinos criadores em roda, um começava a falar sobre a memória, depois de um tempo a outra pessoa continuava com a história, acrescentando novos pensamentos sobre tudo que já tinha sido dito pela pessoa anterior. Esse era o nosso jogo: criar um texto como se fosse uma única pessoa falando sobre a memória. Esse texto gravado ficou imenso e ficou interessante, parece até um documentário. Então a Edith e a Cintia selecionaram trechos da gravação que seriam utilizados para o nosso espetáculo.

    Depoimentos sobre Memórias:

    Fico mais questionando o mundo, do que me relacionando com ele intensamente. sinto muitas vezes que a memória tem a ver com emoção, a emoção do envolvimento com os acontecimentos. Por mais que eu me lembre da história que aconteceu, sempre me imaginei desgrudado do mundo. Nunca me senti tão à vontade em cada lugar, seja na família ou na escola. E apesar da história ter passado, parece que faltou esse laço emotivo de pertencimento àqueles espaços e parece que isso cria um lapso de memória em mim. Poucas coisas consigo lembrar. A memória tem a ver com essas questões, não com a história e sim como você colhe o mundo e se aproxima dele.

    ***

    É uma coisa tão ampla que a gente não consegue agarrar. Tem muitas coisas que fico tentando lembrar, eu tenho dificuldade em prestar atenção em tudo que tá acontecendo o tempo inteiro. Algum detalhe sempre passa desapercebido.

    Não que a gente consiga memorizar tudo que a gente tá vivendo à todo momento mas eu sinto que perco muito mais coisas do que a maioria das pessoas perde. E muito mais coisas passam desapercebidos por mim. Quando converso com pessoas e a gente tenta lembrar de determinadas situações que aconteceram em comum, tenho buracos ou lapsos de memória que são muito grandes e fico tentando preenchê-los e não consigo. E quando me contam como era o real, parece que vou criando uma colagem de memórias e ela vai ficando cada vez mais fictícia. Então a sensação que eu tenho, é que nenhuma memória é real.

    ***

    Que que faz um momento importante para mim, fico me perguntando as vezes. Eu não sei se é porque sou uma pessoa introspectiva, como já disse, não gosto muito de falar… fico mais quieto.

    ......

    Tenho uma imagem muito clara do meu pai lavando um Chevette vermelho no quintal da minha casa. Eu me vejo numa foto, sentado no capo dele de uniforme da escola. Meu pai tirou essa foto. Só que essa foto não existe, não sei, a foto eu criei, acho. Eu devo ter inventado ela. As vezes acho que é quase impossível. Porque o Chevette vermelho é inconfundível. Não tem como eu errar cor ou errar o carro. Pra mim ele existe e ponto.

    E minha mãe tem essa mania de sempre me contradizer, que não, que não era bem assim, que essa memória está incompleta ou que estou inventando.

    Então por isso as vezes prefiro me calar pra deixar esse momento em mim.

    ***

    De onde vem essa ilusão que eu criei e que acho que é uma verdade... me dá uma sensação de verdade...

    Falar de memória é um pouco complicado. Memórias parecem melhores ou mais bonitas do que o momento presente que sempre vem junto com tantas contradições.

    Muitas coisas atravessando… imagens idealizadas... muitas informações.... As camadas que se misturam são confusas.

    Por isso fico quieta muitas vezes. Prefiro não falar pra tentar ficar rememorando em mim mesmo.

    Deixo isso tomando espaço dentro de mim.

    Igual essa imagem do Chevette.

    ***

    Eu sinto que a memória tem uma questão imaginativa, você vai completando o laço afetivo para resgatar sensações. Aquela pessoa que você gosta, você atualiza no presente. As memórias atualizadas criam um sentido para aquilo que eu busco.

    Em cada fase da vida a gente tem uma memória diferente. Quando era criança o tempo era diferente, era muito estendido, não pensava tanto no futuro, no passado... o presente era incrível, era uma aventura. Você ir no parque era uma floresta para você desvendar.

    Depois a gente aprende ter um relógio.

    Hoje é diferente, como me relaciono com o presente tem a ver com como me relaciono com minha memória. E não tenho controle sobre esses vãos entre passado e futuro.

    ***

    Nunca tive muitas memórias. Meus irmãos sempre falaram, “lembra de tal coisa…”? Eu não me lembro de muitas coisas da infância. As coisas que me marcaram muito foram muito fortes e deixei elas meio separadas/afastadas, essas memórias. De certa forma acho que ficaram como um trauma. Crio um certo distanciamento e prefiro não tocar em alguns assuntos.

    ***

    Um trauma eu trago do dia que caí da árvore. A gente estava brincando, eu e os meus irmãos...... era um abacateiro...

    Tenho medo de pombo e tenho medo de altura também. E é uma coisa incontrolável as vezes. Quando vejo, já tô passando muito mal.

    Eu já perguntei pra minha mãe, se ela tinha me levado para um lugar muito alto quando era criança, pra onde a gente viajou, que lugares a gente conheceu, onde poderia ter passado por uma situação específica e ter desenvolvido isso. E ela falou, que não se lembra de absolutamente nada assim. No máximo foi no dia da formatura da minha irmã quando a gente subiu um morro e o ônibus passava muito, muito perto a beirada da estrada. E tava todo mundo desesperado, achava que o ônibus ia cair. Mas, até que ponto que realmente uma situação dessa vai provocar um pânico, ou uma sensação física forte quando a gente chega na fase adulta, eu não sei.

    ***

    O Nando acorda no mesmo horário todos os dias, toma café da manhã do mesmo jeito, no mesmo lugar, ao lado da filha, e consegue dar conta da rotina, mas tem dias que não lembra do nome da filha.

    Irracional.

    Incontrolável.

    Onde fica a memória em toda essa história, que aparece e desaparece?

    A emoção apaga a memória, o trauma físico apaga ela. Quando caí da árvore, apagou minha memória, desmaiei acho, não consigo lembrar…

    Lembro que estava deitado no colo da minha mãe quando acordei.

    O tempo da memória é algo muito intrigante.

    É uma questão espaço/tempo. Uma questão quântica.

    Onde é que eu estou?

    Estou no presente? Estou no passado? No futuro?

    Isso me intriga muito, onde é que eu estou.

    Existe algo, que está sendo registrado no corpo.

    O contorno da realidade.

    … em que memória posso me apegar como real?

    Tecnologias afastam a experiência real das coisas?

    A sensação é, que tudo vai escorregando…

    Tenho quase certeza que inventei isso. Tenho a sensação que invento relações afetivas com minhas memórias.

    Enfeitá-las, torná-las mais interessantes.

    Não posso chegar perto de uma sacada no décimo-quinto andar. É incontrolável.

    ***

    sexta-feira, 9 de maio de 2014

    Minha memória compartilhada: Paredes do banheiro e Não há sentido…

    des, segue os dois textos que estou com dúvidas para a cena da carta azul. Yiuki

     

    Paredes do banheiro

    Quando eu era pequeno tinha um banheiro fora da casa, onde também era o nosso local de castigo.

    Às vezes minha mãe encontrava-me sozinho nesse banheiro, fazendo nada, sentado no assento tampado. Vendo a situação estranha, ela perguntava: – Filho, o que está fazendo ai? Eu respondia: - Estou de castigo, pois fiz algo errado.

    Não era triste, nem alegre aquele banheiro. Sabia que era um lugar que eu precisava ficar, somente isso.

    Anos passaram, sai de casa e acabei me afastando dos meus pais, pois não consegui realizar algo que os filhos de japoneses costumam realizar.

    Assim, decidi ficar no banheiro.

    Busquei romper os laços, entrei no silêncio.

    Queria que os meus pais se afastassem de mim.

    Achei que tinha conseguido.

    Mas ano passado recebi uma encomenda através do meu irmão, um pacote com comidas japonesas enviadas pela minha mãe, nela havia uma etiqueta escrita “Com carinho”.

    Talvez ser filho não é uma questão de merecer ou não...

     

    Não há sentido…

    Meu pai sempre foi agricultor, por isso fui criado na roça até os meus 7 anos. Nesse período não tive amigos, as crianças que eu podia brincar eram as minhas duas irmãs. Lembro-me delas brincarem de cozinhar, e eu ficava com raiva porque não encontrava sentido naquela brincadeira. Aos 7 anos eu precisava estudar, então fui morar com a minha vó que morava próximo de uma escola. Achei que teria amigos, mas eu era muito delicado e também inteligente. Lembro de um paredão e uma roda de crianças me cercando, no centro estava eu e um menino. Eu precisava brigar com ele. Não entendia por que precisava brigar, não encontrava sentido nisso. Eu recuava, recuava e recuava. Ouvia outras crianças incentivando a briga. Lembro de uma voz: Ele não reage, parece até uma menina. O menino avançava, dando-me empurrões para tras e para o chão. Eu não briguei naquele dia. E como não reagi, as crianças foram embora. Não há sentido em muitas coisas da vida.