Espaço de discussão e reflexão sobre a MEMÓRIA/TEMPO na construção do espetáculo de dança contemporânea "INPUT" da desCompanhia de dança. O projeto foi contemplado pelo Edital de Dança de Produção da Fundação Cultural de Curitiba e será estreado no dia 05 de Junho de 2014 no Teatro Kraide do Portão Cultural em Curitiba. Para maiores informações sobre a cia favor acessar o nosso blog www.descompanhia.blogspot.com

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Depoimentos sobre Memórias

Texto colaborativos por Juliana Adur, Peter Abudi, Mariana Mello e Yiuki Doi. Revisão do texto: Edith de Camargo e a Cintia Napoli.
O texto surgiu de um exercício que a nossa diretora artística Cintia Napoli trouxe para o grupo. Depois de tantos laboratórios e pesquisas individuais e coletivas sobre memória, a proposta era construirmos um texto do grupo que referisse sobre a memória. Então fizemos um jogo de contar história com os quatros bailarinos criadores em roda, um começava a falar sobre a memória, depois de um tempo a outra pessoa continuava com a história, acrescentando novos pensamentos sobre tudo que já tinha sido dito pela pessoa anterior. Esse era o nosso jogo: criar um texto como se fosse uma única pessoa falando sobre a memória. Esse texto gravado ficou imenso e ficou interessante, parece até um documentário. Então a Edith e a Cintia selecionaram trechos da gravação que seriam utilizados para o nosso espetáculo.

Depoimentos sobre Memórias:

Fico mais questionando o mundo, do que me relacionando com ele intensamente. sinto muitas vezes que a memória tem a ver com emoção, a emoção do envolvimento com os acontecimentos. Por mais que eu me lembre da história que aconteceu, sempre me imaginei desgrudado do mundo. Nunca me senti tão à vontade em cada lugar, seja na família ou na escola. E apesar da história ter passado, parece que faltou esse laço emotivo de pertencimento àqueles espaços e parece que isso cria um lapso de memória em mim. Poucas coisas consigo lembrar. A memória tem a ver com essas questões, não com a história e sim como você colhe o mundo e se aproxima dele.

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É uma coisa tão ampla que a gente não consegue agarrar. Tem muitas coisas que fico tentando lembrar, eu tenho dificuldade em prestar atenção em tudo que tá acontecendo o tempo inteiro. Algum detalhe sempre passa desapercebido.

Não que a gente consiga memorizar tudo que a gente tá vivendo à todo momento mas eu sinto que perco muito mais coisas do que a maioria das pessoas perde. E muito mais coisas passam desapercebidos por mim. Quando converso com pessoas e a gente tenta lembrar de determinadas situações que aconteceram em comum, tenho buracos ou lapsos de memória que são muito grandes e fico tentando preenchê-los e não consigo. E quando me contam como era o real, parece que vou criando uma colagem de memórias e ela vai ficando cada vez mais fictícia. Então a sensação que eu tenho, é que nenhuma memória é real.

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Que que faz um momento importante para mim, fico me perguntando as vezes. Eu não sei se é porque sou uma pessoa introspectiva, como já disse, não gosto muito de falar… fico mais quieto.

......

Tenho uma imagem muito clara do meu pai lavando um Chevette vermelho no quintal da minha casa. Eu me vejo numa foto, sentado no capo dele de uniforme da escola. Meu pai tirou essa foto. Só que essa foto não existe, não sei, a foto eu criei, acho. Eu devo ter inventado ela. As vezes acho que é quase impossível. Porque o Chevette vermelho é inconfundível. Não tem como eu errar cor ou errar o carro. Pra mim ele existe e ponto.

E minha mãe tem essa mania de sempre me contradizer, que não, que não era bem assim, que essa memória está incompleta ou que estou inventando.

Então por isso as vezes prefiro me calar pra deixar esse momento em mim.

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De onde vem essa ilusão que eu criei e que acho que é uma verdade... me dá uma sensação de verdade...

Falar de memória é um pouco complicado. Memórias parecem melhores ou mais bonitas do que o momento presente que sempre vem junto com tantas contradições.

Muitas coisas atravessando… imagens idealizadas... muitas informações.... As camadas que se misturam são confusas.

Por isso fico quieta muitas vezes. Prefiro não falar pra tentar ficar rememorando em mim mesmo.

Deixo isso tomando espaço dentro de mim.

Igual essa imagem do Chevette.

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Eu sinto que a memória tem uma questão imaginativa, você vai completando o laço afetivo para resgatar sensações. Aquela pessoa que você gosta, você atualiza no presente. As memórias atualizadas criam um sentido para aquilo que eu busco.

Em cada fase da vida a gente tem uma memória diferente. Quando era criança o tempo era diferente, era muito estendido, não pensava tanto no futuro, no passado... o presente era incrível, era uma aventura. Você ir no parque era uma floresta para você desvendar.

Depois a gente aprende ter um relógio.

Hoje é diferente, como me relaciono com o presente tem a ver com como me relaciono com minha memória. E não tenho controle sobre esses vãos entre passado e futuro.

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Nunca tive muitas memórias. Meus irmãos sempre falaram, “lembra de tal coisa…”? Eu não me lembro de muitas coisas da infância. As coisas que me marcaram muito foram muito fortes e deixei elas meio separadas/afastadas, essas memórias. De certa forma acho que ficaram como um trauma. Crio um certo distanciamento e prefiro não tocar em alguns assuntos.

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Um trauma eu trago do dia que caí da árvore. A gente estava brincando, eu e os meus irmãos...... era um abacateiro...

Tenho medo de pombo e tenho medo de altura também. E é uma coisa incontrolável as vezes. Quando vejo, já tô passando muito mal.

Eu já perguntei pra minha mãe, se ela tinha me levado para um lugar muito alto quando era criança, pra onde a gente viajou, que lugares a gente conheceu, onde poderia ter passado por uma situação específica e ter desenvolvido isso. E ela falou, que não se lembra de absolutamente nada assim. No máximo foi no dia da formatura da minha irmã quando a gente subiu um morro e o ônibus passava muito, muito perto a beirada da estrada. E tava todo mundo desesperado, achava que o ônibus ia cair. Mas, até que ponto que realmente uma situação dessa vai provocar um pânico, ou uma sensação física forte quando a gente chega na fase adulta, eu não sei.

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O Nando acorda no mesmo horário todos os dias, toma café da manhã do mesmo jeito, no mesmo lugar, ao lado da filha, e consegue dar conta da rotina, mas tem dias que não lembra do nome da filha.

Irracional.

Incontrolável.

Onde fica a memória em toda essa história, que aparece e desaparece?

A emoção apaga a memória, o trauma físico apaga ela. Quando caí da árvore, apagou minha memória, desmaiei acho, não consigo lembrar…

Lembro que estava deitado no colo da minha mãe quando acordei.

O tempo da memória é algo muito intrigante.

É uma questão espaço/tempo. Uma questão quântica.

Onde é que eu estou?

Estou no presente? Estou no passado? No futuro?

Isso me intriga muito, onde é que eu estou.

Existe algo, que está sendo registrado no corpo.

O contorno da realidade.

… em que memória posso me apegar como real?

Tecnologias afastam a experiência real das coisas?

A sensação é, que tudo vai escorregando…

Tenho quase certeza que inventei isso. Tenho a sensação que invento relações afetivas com minhas memórias.

Enfeitá-las, torná-las mais interessantes.

Não posso chegar perto de uma sacada no décimo-quinto andar. É incontrolável.

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