Espaço de discussão e reflexão sobre a MEMÓRIA/TEMPO na construção do espetáculo de dança contemporânea "INPUT" da desCompanhia de dança. O projeto foi contemplado pelo Edital de Dança de Produção da Fundação Cultural de Curitiba e será estreado no dia 05 de Junho de 2014 no Teatro Kraide do Portão Cultural em Curitiba. Para maiores informações sobre a cia favor acessar o nosso blog www.descompanhia.blogspot.com

quinta-feira, 1 de maio de 2014

sobre o jogo e nós - escancarados?


Não sei se consigo ter noção do quanto o jogo nos escancara. O Tuca dizia que era bom que a gente não tivesse. Então, não me preocupo.
Mas às vezes acho que sinto, simplesmente sinto. Não sei bem explicar, mas sinto. Minha dificuldade de ir, meu esforço pra tentar. O lutar por uma coisa, lutar lutar e, não conseguindo, me culpar e sempre achar que não dei o suficiente, que sou a única responsável por meus próprios fracassos - e não é assim mesmo?. E começo a achar que nunca acerto, que as coisas nunca dão certo comigo, uma espécie talvez de autopiedade que me irrita. Mas que persiste. E aí tudo se mistura. Me sinto só. E me sinto culpada por me sentir só. Me sinto inerte. E me sinto culpada por me sentir inerte. Tenho medo de parecer a bailarina inexperiente que não consegue sequer decorar uma sequência, ainda que eu saiba que há muito mais coisas em jogo. E me sinto culpada. Sempre me sentindo culpada. A partir de quando, na minha vida, isso começou a ser assim? Eu comecei a me exigir assim, a me cobrar assim, a ser tão pouco generosa comigo?
Será que eu invento essas coisas pra mim mesma?

Como transformar essa culpa e essa 'ineficiência' ou 'insuficiência' em movimento? Em minha dança? Como não deixar essa inércia tomar conta de mim?  Como não ser sempre tão sozinha? Essa sensação de inadequação que sempre persiste... Tanta camada que se mistura...

Coloco  por fim um trecho do livro A Casa do Incesto, da Anaïs Nin. Que acho que diz bastante sobre mim e sobre esse momento.

"Ouço o passar de mistérios e o respirar de monstros. Só acordes perfeitos ou sussurros. O choque com a realidade obscurece-me a visão e submerge-me no sonho. Sinto a distância como uma ferida. A distância desenrola-se diante de mim como um tapete, posto antes dos degraus da catedral por casamento ou enterro. Desenrola-se como uma noiva vermelha entre os outros e eu, mas não consigo pisá-la sem um sentimento de desconforto como o que se tem nas cerimónias. A cerimónia de pisar a carpete desenrolada até ao interior da catedral onde têm lugar os ritos a que sou estranha. Não caso nem morro. E a distância da multidão entre os outros e eu, não pára de aumentar.
Distância. Nunca avancei pelo tapete até as cerimônias. Até a plenitude da vida da multidão, até a música autêntica e até ao cheiro dos homens. Nunca assisti a casamentos nem a enterros. Para mim tudo teve lugar na solidão do campanário com o som ensurdecedor dos sinos apelando com vozes de ferro, ou na cave onde roía juntamente com os ratos as velas e o incenso armazenados.
Não posso ter a certeza de nenhum acontecimento ou lugar a não ser da minha solidão. Diz-me pois o que as estrelas contam de mim. Será que saturno tem olhos de cebola que não param de chorar? Mercúrio tem penas de galinha nos calcanhares? Marte usa uma máscara de gás? Os gémeos, os gémeos desdobrados, será que se desdobram continuamente ao rolarem num espeto, Gémeos à la broche?
Há no meu ohar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa."



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