Espaço de discussão e reflexão sobre a MEMÓRIA/TEMPO na construção do espetáculo de dança contemporânea "INPUT" da desCompanhia de dança. O projeto foi contemplado pelo Edital de Dança de Produção da Fundação Cultural de Curitiba e será estreado no dia 05 de Junho de 2014 no Teatro Kraide do Portão Cultural em Curitiba. Para maiores informações sobre a cia favor acessar o nosso blog www.descompanhia.blogspot.com

domingo, 30 de março de 2014

Sabedoria do corpo

des, nos laboratórios de criação junto ao Tuca Pinheiro e a Cintia Napoli, algumas frases/ideias ficaram marcantes para mim. Compartilho algumas delas no nosso díario de bordo:

  • Se racionalizar demais é como se estiver menosprezando o corpo, o que já é, o que já existe e sabe.
  • O sujeito da ação é a ação.
  • O corpo existe no coletivo.
  • O corpo imagético não é privado, é um corpo público.
  • Como transformar a imagem em potência pública? O público entra na imagem construída e cada um leva o que fica dela.
  • Falar da memória para resgatar os sentidos das coisas.
  • Memória não é somente uma lembrança, ela é uma forma de ver e interagir com o mundo.
  • Padrão não é ruim, ele precisa ser um dispositivo par avançar/evoluir.
  • Como acessar as memórias das pessoas sem precisar saber dos fatos pessoais?
  • Padrão talvez seja uma memória calcificada.
  • Como transformar o que está em cena em memória do público?
  • A questão da memória é muito ampla, não conseguimos dar conta de tudo, então precisamos partir desse ponto.
  • O que do individual se torna coletivo? Talvez podemos ir para o corpo como corpo.
  • O que não está no corpo vira pastiche.
  • Memória é quando faz alguma coisa com a história. Dessa maneira, memória não é simplesmente uma história. Fazemos algo com a memória, ela fica em algum lugar do corpo.

Deixo recortado um trecho que encontrei de um livro sobre Nietzsche que o prof. de filosofia Tulio Tibério da UNICENTRO-Irati me indicou. No final da postagem, a quem se interessar, deixo o tema “Sabedoria do corpo” do Capítulo IV do livro na integra. É uma leitura curta, rápida e gostosa ;) Yiuki Doi

“Partindo da consciência, formas-se uma representação superficial e aberrante da vida psíquica, cai-se vítima da falsa separação entre a alma e o corpo, é-se irresistivelmente atraído para o Idealismo e fascinado pelas miragens da metafísica. Pretende-se, ao menos uma vez, ter os meios de uma interpretação adequada da realidade, não ter nenhuma hesitação: é preciso, afirma Nietzsche, deixar de conceber crédito à consciência e se voltar para o corpo. Pois é o corpo o único que tem condições de nos instruir sobre o valor de nossa personalidade profunda. Colocarmo-nos, para decifrar o mundo, no ponto de vista do corpo […] é preciso admitir que esse pensamento corporal, inconsciente, com toda a sua gama de operações delicadas como julgar, imaginar, criar valores, é muito mais aperfeiçoado e sutil do que o pensamento consciente associado ao eu e ao intelecto: “A esplêndida coesão dos mais múltiplos seres vivos, o modo como as atividades superiores e inferiores se ajustam e se integram entre si, essa obediência multiforme, não-cega, e menos ainda mecânica, mas crítica, prudente, cuidadosa ou mesmo rebelde – todo esse fenômeno do ‘corpo’ é, do ponto de vista intelectual, tão superior à nossa consciência, ao nosso ‘espírito’, aos nossos modos conscientes de pensar, do sentir e de querer”

Nietzsche - Sabedoria do corpo
por Jean Granier

 


Nietzsche - Sabedoria do corpo

por Jean Granier

Partindo da consciência, formas-se uma representação superficial e aberrante da vida psíquica, cai-se vítima da falsa separação entre a alma e o corpo, é-se irresistivelmente atraído para o Idealismo e fascinado pelas miragens da metafísica. Pretende-se, ao menos uma vez, ter os meios de uma interpretação adequada da realidade, não ter nenhuma hesitação: é preciso, afirma Nietzsche, deixar de conceber crédito à consciência e se voltar para o corpo. Pois é o corpo o único que tem condições de nos instruir sobre o valor de nossa personalidade profunda. Colocarmo-nos, para decifrar o mundo, no ponto de vista do corpo: é esta a desconcertante, mas fecunda “Revolução copernicana” que Nietzsche nos sugere, e que, em comparação à célebre Revolução kantiana, substituirá o cogito transcendental (e, aliás, todo cogito garantido pela consciência de si) pela compreensão viva que define a subjetividade corporal. Trata-se, com efeito, de um corpo em que a consciência é uma simples função entre outras, e cuja atividade já é desde sempre, por si mesma, manifestação de uma subjetividade, em outros termos, produção intencional de significações. Assim Nietzsche escolhe falar do corpo como um “Si” (das Selbst) e lhe dar magnitude como “a grande razão”: “O corpo é uma grande razão, uma multidão unânime, um estado de pás e de guerra, um rebanho e seu pastor. Esta pequena razão que dizes ser seu espírito, é meu irmão, é apenas um instrumento de seu corpo, e um pequenino instrumento, um joguete de tua grande razão” (Assim falou Zaratustra). A partir disso já não é um escândalo (exceto para um incondicional guardião de cogito!) atribuir o pensamento ao próprio corpo: “Admite-se aqui”, declara Nietzsche com tranquila segurança, “que todo organismo pensa, que todas as formações orgânicas participam do pensar, do sentir, do querer e por conseguinte, que o cérebro é somente um enorme aparelho de concentração” (Fragmentos sobre a energia e a potência). O dualismo da res cogitans e da res extensa é derrubado por fórmulas deste gênero: “Por toda parte onde vemos ou adivinhamos um movimento no corpo, é preciso concluir que há uma vida invisível e subjetiva ligado a ele” (Vontade e potência I).

Melhor: é preciso admitir que esse pensamento corporal, inconsciente, com toda a sua gama de operações delicadas como julgar, imaginar, criar valores, é muito mais aperfeiçoado e sutil do que o pensamento consciente associado ao eu e ao intelecto: “A esplêndida coesão dos mais múltiplos seres vivos, o modo como as atividades superiores e inferiores se ajustam e se integram entre si, essa obediência multiforme, não-cega, e menos ainda mecânica, mas crítica, prudente, cuidadosa ou mesmo rebelde – todo esse fenômeno do ‘corpo’ é, do ponto de vista intelectual, tão superior à nossa consciência, ao nosso ‘espírito’, aos nossos modos conscientes de pensar, do sentir e de querer, quanto a álgebra é superior à tabuada” (Vontade de potência I). Não é difícil de convencer disso, desde que se cuide de reinserir a consciência no contexto da vida e do mundo real, ao invés de se hipnotizar pela evidência pontual do cogito. Então revela-se claramente que as intermitências da consciência de si e os grosseiros erros que ela comete, tanto em suas avaliações do mundo exterior quanto em sua representação do corpo, tornariam impossível o desenvolvimento dos organismos, caso o corpo já não assegurasse continuamente a solução dos problemas fundamentais. De modo que o intelecto e, de modo geral, as faculdades do espírito consciente são chamados a intervir apenas ocasionalmente, obedecendo a comandos transmitidos pelo próprio corpo (Vontade de potência I).

Mas essa própria subjetividade global do corpo é reunião de multidão de subjetividades solidárias entre si, segundo estruturas de hierarquização muito complexas e em constantes mutação, pois aqui, como alhures, a harmonia só pode derivar de uma luta. “Guiamos por esse fio condutor do corpo [...] aprendemos que nossa vida só é possível graças ao jogo combinado de várias inteligências de valor muito desigual, graças, portanto, a uma perpétua troca de obediência e comando sob inumeráveis formas” (Vontade de potência I).

Cada uma dessas subjetividades orgânicas corresponde ao que captamos, mas apenas por meio da representação mais ou menos aproximada de nossa consciência, como “instintos”. Esses instintos são pulsões investidas de um certo quantum de energia vital e cujo trabalho, realizado nas profundezas de Si corporal, mantém-se oculto à observação consciente: as aptidões de cada personalidade e a determinação do seu destino dependem do vigor desses instintos e da qualidade de seu discernimento. Em decorrência disso, “o gênio reside no instinto, a bondade também. O único ato perfeito é o ato instintivo” (Vontade de potência I). O corolário dessa proposições fundamental dá a chave da decadência: decadente é a personalidade cujos instintos estão debilitados e ser tornaram anárquicos, por falha do sistema regulador que garante a unidade do Si, de modo que ela é obrigado a se apoiar em sua consciência e em sua razão, forjando para si, com a disciplina ascética da Moral, um lastimável sucedâneo da flexível inteligência adaptativa dos instintos. O decadente é o doente do instinto, que tenta compensar sua carências com uma hipertrofia da lógica e da consciência do puro Dever.

Coleção L&P Pocket, vol. 823 (Nietzsche – por Jean Granier)
Tema “Sabedoria do corpo” do Capítulo IV, pag 89
1ª Edição Setembro de 2009


Um comentário:

  1. nossa quanta coisa né, para mim isso é muita informação ainda, vou um poco devagar e tentar ler esse capitulo que você indicou... (se tiver ele digitalizado).

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